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LOVE, DEATH + ROBOTS: ANTOLOGIA ANIMADA PARA PENSAR NA VIDA REAL

Desenho para adultos. Pode parecer bobeira, mas muita gente séria tem investido neste filão. Neste sentido, para aqueles que não veem problemas em receber provocações filosóficas através de filmes de animação, Love, Death + Robots, série da Netflix produzida por Tim Miller e David Fincher (bem como Joshua Donen e Jennifer Miler) é surpreendente.

Fica difícil imaginar que, depois de o público ser surpreendido na primeira temporada por robôs revirando o que restou dos escombros da humanidade (Three Robots), no melhor estilo dos estudos da antropóloga Anna Tsing; de acompanhar batalhas entre holobiontes cibernéticos que se recusam a perder sua humanidade (Sonnie's Edge), numa vertente jamais imaginada por Donna Haraway; de viajar às profundezas do espaço e reviver a experiência de Matrix (Beyond the Aquila Rift), no melhor estilo de simulacro e simulação de Baudrillard; e ainda ser presenteado com uma visão tocante e jurássica do Mito de Ícaro (Fish Night), que a segunda temporada, lançada este ano pela plataforma de streaming, pudesse ainda trazer novidades para a série.


Figura 1: Cena de Love, Death + Robots


Na verdade, a classificação “morna”, apontada pela maioria dos sítios de crítica, deveria ser transposta para “reflexiva”. Se a primeira temporada poderia capturar um público adolescente devido ao ritmo vibrante, sensual e às vezes sarcástico da maior parte dos episódios, a impressão é que na segunda temporada ela se voltou de vez para o público adulto. Não que os elementos citados não estejam presentes. Mas é que os episódios falam às sutilezas que apenas a experiência do mundo adulto pode capturar. A experiência do Antropoceno não será superada – pelo menos não nas projeções distópicas de Love, death + Robots. Se não há espaço para todos, como apontou Latour (Onde aterrar?) e Haraway (Making kin not babies), providencie-se uma sociedade / bunker onde não são permitidas crianças (Pop Squad).

Ou então conforme-se que os embates e crises do capitalismo fatalmente conduzirão ao cataclismo que reduzirá a humanidade aos seus escombros (como mencionado acima através da referência a Anna Tsing)... ali não restarão alternativas: a continuidade dependerá da mutação genética ou da hibridização ciborgue (Snow in the desert). O certo é que o monstro consumista molda as pequenas consciências desde muito cedo (All Through the House): afinal o fe(i)tiche da mercadoria exige bons trabalhadores, bons cidadãos, bons consumidores… e isso exige disciplina.

Encerram-se estas reflexões sobre esta produção cultural com a aterradora metáfora do conto “The drowned giant”. O corpo nu de um gigante aparece morto na praia. Curiosidade mórbida parece ser o leitmotiv dos que se aproximam do leviatã inerte. A exceção cabe a um cientista que a tudo observa, filosoficamente impressionado pelo processo de decomposição e profanação. É como se suas reflexões internas se dirigissem não ao colosso desprovido de vida, mas ao também falecido “Homem”, sujeito do humanismo e senhor da história, que jaz abatido pelo devir. A tempestade que levou tal gigante a óbito gerou um novo mundo onde ele não teria lugar. Por isso, foi extinto.


Figura 2: Cena de Love, Death + Robots.


O mal-estar do cientista poderia vir da constatação empírica de que aquele que protagonizou a grande aventura da civilização ocidental se encontra agora desconstruído, seus restos mortais fragmentados e espargidos nos locais da cultura, que o usam como amuleto a espantar os presságios de um futuro incerto.


Referência


LOVE, DEATH + ROBOTS. Disponível em: https://www.imdb.com/title/tt9561862/?ref_=nv_sr_srsg_0. Acesso em: 25 jun. 2021.

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