Jornada I
Por Alexandre Luiz Polizel[1]
Como um convite para o “turistar” por meio de escritos que figuram no cenário internacional, oferecendo bases para reflexões para os Estudos Culturais das Ciências e das Educações e aspectos críticos para pensar o presente, indico a obra The Unknowers: how strategic ignorance rules the world. Este livro foi publicado em 2019, em meio a um cenário no qual se propagavam as chamadas pós-verdades, transformadas em plataformas políticas, programas sociais e subjetividades gerenciadoras de corpos, mentes e os desejos.
Neste cenário, encontramos pulsões que demandam dos negacionismos científicos, conspiracionismos e até mesmo a ponderação das ciências enquanto ‘meras narrativas’. Linsey MacGoey olha este cenário enquanto produto-producente de novas dinâmicas de relações entre os saberes-poderes-verdades, bem como o desenho estratégico para o uso destes para produção de um novo personagem conceitual: os desconhecidos/desconhecedores.
Vemos nesta obra que há um agenciamento de pedagogias culturais outras, ou seja, modos de ensinar, aprender e constituir saberes a partir de suas relações com os artefatos culturais disponíveis e os catalisadores algoritmos-propagandísticos. Esses catalisadores norteiam-se para a produção de desconhecedores.
Há neste sentido uma articulação na construção da análise de Linsey, que nos coloca a refletir este novo personagem conceitual que transita e opera em nossas relações culturais contemporâneas (dentre elas a produção de ciências e educações), fazendo expressar novas relações de poder. Relações de poder guiadas pelo ignorar e pela ignorância. Evidências, modos de veridicção, sentidos, sensibilidades... todos são ignorados em nome de um desconhecido, de uma possibilidade que não foi considerada, de narrativas que escapam à falseabilidade-refutabilidade, ou seja, as narrativas exercem o poder à medida que ignoram aquilo que deveria ser considerado – o vemos também no pensador francês Jean Baudrillard, tratado enquanto processos dissimulativos e simulativos. Há neste sentido um governamento guiado pelo poder do ignorar e da ignorância.
Tal aspecto soma-se ao tornar as historicidades, as ciências e qualquer outro modo que requeira uma estrutura de validação, enquanto uma narrativa. Pululam revisionismos, negacionismos e conspirações, alguns associam à falta de formação, Linsey MacGoey nos mostra que isso é um projeto social, acionam as linhas do pensar e tornam qualquer estruturação de pensamento em narrativas. Fetichiza para colonizar...
As linhas que dão sustentação, ou que ao menos são trazidas à cena para tal, se norteiam por três eixos: i) A ideia de diferença, a noção de que o atuar de acordo com o poder da ignorância, do desconhecimento e de outras possibilidades (que ignoram a realidade instaurada) traz para si o título de um pensar ‘diferente’, uma ‘alternativa’, uma ‘versão distinta’ das acontecimentalidades; ii) A ideia de ceticismo, como a noção de que se desconfia, de que a atitude de uma descrença e de deslegitimação de campos de saberes trazidos pelas ciências modernas à tona são um ato científico de desconfiar; iii) A noção de liberdade – de expressão, de pensamento, de diferença – é trazida constantemente nas narrativas dos desconhecedores, eles são livres para sua diferença, ceticismo e expressão.
Tais aspectos são detalhados enquanto produzidos a partir de “estratégias da ignorância”, como um modo de produzir sujeitos ‘desconhecedores’ que operam pelos poderes da ignorância e se sustentam em sua diferença-ceticismo-expressão. Com uma narrativa fluida e ancorada nas filosofias e estudos sociais das ciências, Linsey MacGoey nos apresenta como há uma organização que comunga Estado e Mercado (incluo aqui as Religiões) para produção de uma indústria da ignorância.
Esta obra perpassa por temáticas que nos permitem refletir sobre temas pungentes em nossas relações contemporâneas, atravessando as Ciências e as Educações, como os movimentos antivacinas, terraplanistas, os usos de Fake News, lobbys climáticos e das indústrias farmacêuticas... Há uma infinidade de possibilidades sobre as quais Linsey McGoey nos permite refletir partindo dos desconhecedores e do poder da ignorância.
Referência
MCGOEY, Linsey. The Unknowers: how strategic ignorance rules the world. London: Zed Books, 2019.
[1] Professor Colaborador no Departamento de Educação da Universidade Estadual de Londrina (Filosofia e Educação/Psicologia da Educação). Doutorando e Mestre em Ensino de Ciências e Educação Matemática pela Universidade Estadual de Londrina. Contato: alexandre_polizel@hotmail.com
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