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Foto do escritorValter Cardoso da Silva

PENSANDO A CLASSE OPERÁRIA: INTERSECCÇÕES ENTRE CHARLES DICKENS E E. P. THOMPSON

Atualizado: 21 de mar. de 2022

Por: Valter Cardoso da Silva


Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da sabedoria, foi a idade da tolice, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós”. Este que já foi considerado o melhor parágrafo inicial de todos os livros já escritos, é constantemente utilizado para se referir à crise como possibilidade de mudança.

De fato, “Um conto de duas cidades”, de Charles Dickens, além de ser um magistral representante da literatura universal, possui qualidades que o inscrevem como passível de críticas de teor histórico, filosófico e sociológico. Aqui pretende-se tomá-lo em contraponto à também magistral obra de E. P. Thompson, “A formação da classe operária inglesa”. É obvio que obras historiográficas e obras literárias são escritas com objetivos diferentes.

Mas o fato é que, tanto acadêmicos quanto literatos, quando expõem suas obras ao público, sabem que já não possuem mais controle sobre a forma como serão lidas, combatidas, contrapostas e, como aqui, usadas em paralelo para se pensar as potencialidades de um construto histórico (obra de Thompson) e o fôlego de uma produção artística como leitura sensível do mundo (obra de Dickens).

Começando por “Um conto de duas cidades”, é preciso ter em mente que, embora publicado em 1859, retrata o mesmo período da fase inicial de “A formação da classe operária inglesa” – os últimos anos do século XVIII. Escrevendo a uma boa distância temporal do período retratado (que, aliás, não viveu), Dickens se vale da obra do ensaísta, historiador e também escritor Thomas Carlyle para ambientar sua obra. Thompson escreve no século XX, pensando em alternativas para uma historiografia que pudesse ser de esquerda, mas sem a necessidade de recorrer ao cânone marxista, recorreu a uma extensa quantidade de documentos e fontes para descrever os labirintos percorridos pela classe operária inglesa em seu processo de gênese.

Dickens constrói personagens que, mesmo submetidos às agruras das condições históricas adversas, portam-se de forma idealizada, orientados pelos grandes valores humanistas, produzindo um modelo de literatura defendido mais tarde por F.R. Leavis, literato inglês do início do século XX. Thompson busca em Marx elementos de um materialismo puro, para afirmar que as classes sociais surgem, agem e se movimentam a partir de relações marcadas por condições históricas, econômicas e culturais específicas – sendo que reação, mediação, confronto, conflito e, mesmo a cooperação, são elementos presentes na sua formação.

Dickens, de forma consciente ou não, reflete em sua obra o sentimento avesso à Revolução que permeava certos estratos da sociedade inglesa do século XIX. Thompson demonstra toda a via crucis que a classe operária inglesa teve de percorrer, os engodos aos quais sucumbiu, as traições que sofreu, lições duramente apreendidas e aprendidas antes que o operariado pudesse assumir o protagonismo da defesa de seus interesses. Dickens, embora perceba as péssimas condições em que viviam os pobres no final do XVIII e início do XIX, talvez tolhido por seus próprios interesses de classe, apresenta fatos e situações sem lhes apresentar os contornos políticos e ideológicos.

Thompson, como bom historiador, navega por tais elementos, mas se recusa a incorporar o tom do panfleto ideológico. Dickens escreveu uma obra poderosa e marcante, que a partir de uma construção estética vigorosa, trouxe nova atenção para o tema da pobreza e da exclusão, mas não se rendeu a um compromisso de solidariedade para com as massas. Thompson, que, no início da carreira, desenvolveu trabalho como educador popular junto a trabalhadores, e que mais tarde ficará conhecido como um dos criadores da Nova Esquerda Inglesa, constrói uma ferramenta robusta para a compreensão da classe social e suas dinâmicas, apresentando-a como fruto de interações processuais.


Referências


DICKENS, Charles. Um conto de duas cidades. LeBooks Editora, 2019.


THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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